Por Andreia Garcia*
A comunicação em saúde tornou-se num palco público de atribuição de responsabilidades, numa oportunidade de apurar as medidas necessárias para fazer a diferença, numa identificação das lacunas existentes, numa pressão para que politicamente sejam criadas novas estruturas e diferentes estratégias.
Quando mais nenhum sector pode dar resposta, a saúde surge sempre como a salvadora, a esperança de mudar, ou a possibilidade de brilhar, quer através de notícias que dão conta de um novo avanço científico, de uma possível cura para uma doença, quer através da divulgação de medidas revolucionárias que prometem melhorar a qualidade de vida das pessoas.
Surgem novas questões na esfera pública, como a comparticipação de novos tratamentos, o pedido de mais fundos, o alerta para novas doenças, a retirada de medicamentos do mercado, a crítica aos serviços de saúde... Uma panóplia tão grande de temas que por vezes, confesso, é impossível perceber se estamos no caminho certo ou errado.
É inegável, pois, que vivemos numa sociedade em que o conhecimento é sobretudo mediatizado pelos meios de comunicação social e a nossa dependência deles é tão grande que me atrevo a comentar que sem eles não teríamos a mesma percepção do mundo.
Não são certamente os únicos “culpados” pela visão negativa que temos da saúde no nosso país, ou não existissem múltiplos actores a intervir simultaneamente neste sector, mas contribuem de forma decisiva. Escondem um gosto particular pelas situações de crise, pelos episódios melodramáticos, pelos elementos de surpresa e imprevisíveis, um jeito particular para os transformar rapidamente em notícia do dia, acontecimento da semana. E não será esse o papel dos meios de comunicação social?
A incerteza é uma constante na comunicação em saúde, assim como no sector. Hoje surgem novos medicamentos que amanhã são retirados do mercado, inauguram-se hospitais privados e amanhã fecham-se unidades de saúde públicas, hoje temos o tratamento líder do mercado e amanhã novos concorrentes, hoje as vendas estavam em alta sem esforço e amanhã não vendemos nada, sem explicação.
Por isso, quando se pergunta “E hoje, temos crise?” A resposta é evidente: “Hoje talvez não, mas amanhã certamente”.
*Healthcare Coordinator
Grupo YoungNetwork
quarta-feira, 5 de agosto de 2009
E hoje, temos crise?
Publicada por Anónimo à(s) 14:41:00
Etiquetas: Andreia garcia, comunicação de crise, do fundo da comunicação, healthcare, saúde, youngnetwork
1 comentário:
Andreia, bela prosa, inteligência viva e atenta, rara no meio de uma massa acinzentada que brota por aí. Parabéns pela percepção das coisas. Eu, que sou muito mais velho comentaria duas ou três pequenas coisitas...
A comunicação em saúde tem que ser urgentemente expurgado da contaminação catastrófica e mórbida para dar lugar a informação responsável. Os shares pedem sangue e negligência médica mas a saúde pede bom senso, denúncia do que é para denunciar mas rigor e esclarecimento.
Os media têm um papel importantíssimo na modulação das opiniões e, mais do que nunca, têm sido palco de interesses que não são os da bondade e da busca da melhoria da qualidade da saúde. Diríamos que não lhes compete mudar o mundo, mas compete-lhes não destruir o que é bom, acentuando a miséria intelectual da maldicência lusitana.
A crise existe nos dramas de cada um quando se está doente e nada chega para confortar e todo o tempo é demasiado longo para se ser atendido. Se isto é verdade, também o é o sucesso da esmagadora maioria dos actos médicos e da prestação dos cuidados. O estudo do Prof. Villaverde Cabral refere que, mais coisa menos coisa, 85% das pessoas que recorrem regularmente ao SNS estão satisfeitas e que os mais descontentes são os que nem sequer o utilizam...é curioso. Por outro lado, como referiste e bem, a saúde é o palco preferido actual dos grandes grupos financeiros, banca e seguros. Os dramas do SNS são assim uma vez mais empolados para desacreditar o SNS e priveligiar os privados.
A comunicação em saúde serve para dizer péssimo (Oftalmologia de Sta Maria) e para enaltecer (veja-se a campanha de lançamento do Hospital da Luz com o Eusébio...). É pena esta guerra financeira porque há magníficos serviços públicos e privados e um país moderno vive com os dois e não pode prescindir de um SNS sólido. Santa Maria é um magnífico hospital onde milhões de pessoas foram bem tratadas, milhares de médicos e enfermeiros foram formados. Um momento, 6 dramas e tudo parece um bando de malfeitores. É esse o poder da TV e dos jornais. Eu próprio tive a experiência como os media e os editores de saúde desprezam os grandes avanços da saúde em Portugal, nomeadamente no tratamento do cancro quando era responsável de comunicação do grupo Joaquim Chaves.
Eu não diria que na comunicação em saúde a incerteza é uma constante mas sim que são tantas as variáveis em jogo, tão poderosas as forças e os interesses que decorrem paralelas várias verdades e várias falácias e que não nos é sempre possível (ou talvez não nos compita) encontrar os caminhos certos para uma intervenção imaculada.
A crise anda aí muito mais profunda do que a económica e financeira. É uma crise do brio, da competência e do orgulho de fazer bem e de contribuir em colectivo para o sucesso. Não vamos muito longe com esta visão da vida, seja na saúde seja dentro de nossas casas.
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